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Um performático criador de inutensílios

Fundador de Navegos homenageia em texto breve a arte efêmera do paranaense que é a cara de Curitiba, onde não há quem não o ame e queira levar para casa.

*Franklin Jorge

Seu forte é a criação de coisas e objetos que aparentemente não têm nenhuma utilidade. Como a beleza, poder-se-ia dizer que, como os gatos, sua criação não precisa servir a um fim; precisam apenas existir e nos surpreender.
Não há uma palavra que defina precisamente Hélio Leites, o que nos faz crer que ele é indimensionável, como uma força mesma da natureza que o habita e se expande em inumeráveis formas que às vezes utilizam a palavra.

Humoristas de um tipo muio particular, é fundador e pastor performático de uma igreja onde se cultua o riso e a nominou de Igreja da Salvação pela Graça. vive em companha da mãe, que acaba de completar 90 anos e às vezes o acompanha em suas performances, sobretudo na feira semanal onde ele tem uma barraquinha que é uma verdadeira atração. quando dirigi a Sala Natal, pensei que cada bairro da cidade pudesse ter o seu Papai Noel; pensei também em convida Hélio Leites para percorrer a cidade em carro aberto, esparzindo bênçãos e declarando Natal uma cidade natalina por excelência. Aqui, ele visitaria todos os lugares e levaria conforto aos enfermos, contribuindo com o seu charme inventivo para termos um ciclo natalino diferente. Mas Lacrau Jr botou areia nessas ideias e preferiu trazer Tom Zé, aberração performo-musical que não canta nada; em vez disto, promoveu apresentações de street dance em algumas praças, algo que a meu ver nada tem a ver com o espírito festivo do natal.

Em suas mãos, tudo se transforma em fenômeno, como algo que acontece e surpreende, às vezes sob a forma de um caixa de fósforos – em verdade uma arca de tesouros -, de onde se pode extrair o inesperado. O botão, um dos mais prosaicos objetos que há, deu-lhe em certa fase de sua vida uma grande notoriedade, pelo uso que ele fazia deles.

Tornou-se assim personagem de uma tira em Quadrinhos, o Homem Botônico, até agora, o único super-homem que nos deu Curitiba, cidade imortalizada na obra de Dalton Trevisan como uma grande vila. Deu título a um de meus livros, ainda inédito, no qual reuni pessoas como ele, Hélio Leites, que costumam viver em outros mundos, como o cartunista francês Lionel Andeller, um grande arista que não consegue entender porque Natal não é o mais importante endereço natalino do mundo e, sim, as chamadas Serras Gaúchas, onde é possível esbarrar em Papai Noel.

Há anos não tinha noticias suas, creio que desde o tempo em que me desiludi de Natal, ao ter certeza de que aqui a mediocridade sempre há de ter a primazia. De alguns lugares, por onde tenho passado, sempre ouço de alguém, ou seja, de um ou outro artista, que ali é a mesma coisa, o que me leva a crer que o alento é o açoite mais cruel. Por isso, os grandes artistas não pertencem a um só lugar, pois vivem permanentemente em busca da sobrevivência – e aqui não me refiro exclusivamente ao que há de materialidade nessa conjugação.

Como artistas que é, indiferente a precificação das coisas, Hélio Leites dispõe de muitas formas de vida, ao transformar tudo em arte, a começar por sua própria vida. É único e vários ao mesmo tempo e, como a beleza, acontece.