• search
  • Entrar — Criar Conta

Política

Enquanto faz sua caminhada à margem do canal Itajuru, no litoral fluminense, Colaborador de Navegos discute e amplia proposição do poeta Mário Quintana.

*Flávio Machado

[email protected]

“A poesia engajada? Eis aí uma questão com que, em certas épocas, costumam assaltar os poetas. Impossível não levá-la em conta quando se pensa no que fez pela abolição da escravatura um poeta como Castro Alves. Mas querer obrigar todos a serem Castro Alves é forte. E, convenhamos, uma boa causa jamais salvou um mau poeta. Essa gente poderá fazer mais pelo povo candidatando-se a vereadores. É muito de estranhar essa campanha contra o lirismo, isto é, contra 95% da poesia de todos os tempos. Nem se pense que o poeta lírico está fora do mundo. Os sentimentos que ele canta pertencem a todo o mundo, a toda a humanidade, são de todos os tempos e não apenas os de sua época – independentes de quaisquer restrições de nacionalidades, raças, crenças ou partidos políticos. Se não é assim, depois de resolvidos os problemas o que seria dos poetas? Ficariam simplesmente sem assunto.”

― Mario Quintana

O texto em citado em epígrafe de autoria de Mario Quintana serviu para mote da crônica que apresento. Em minhas caminhadas matinais faço reflexões. Vários são os assuntos que durante o percurso afloram. Aproveito também para coletar todo tipo de resíduo descartado equivocadamente. As ruas do bairro viram lixeira, os estacionamentos e a pequena praia localizada no final da rua à beira do canal Itajuru.

A quantidade e diversidade de resíduos (lixo) impressionam, jogados diretamente na sarjeta ou trazido pelo movimento das marés, acaba chegando ao mangue. Encontro: garrafas de cerveja, refrigerante, fraldas, carteiras e guimba de cigarros, pneus de bicicleta e carros, sacos plásticos e profusão, embalagens de alimentos, etc.

Reflito com base nas manifestações publicadas na mídia e redes sobre a preocupação com a Amazônia, correndo risco de críticas e cancelamentos tão em voga; pergunto: o que sabem sobre a Amazônia estes que arriscam opinião, e produzem poemas engajados?

Será que visitaram a região pelo menos uma vez? Será que algum dia saíram pelas ruas do bairro que moram recolhendo lixo? Será que olharam para os morros da cidade com a mesma preocupação diante da ameaça de desmatamento? E lembrando que esse ataque às matas dos morros da cidade e que muitas vezes abrigam comunidades (favelas).

Há relação entre essa ocupação desornada com ação de narcotraficantes e milicianos. E vemos propostas estapafúrdias de transformar esses criminosos em “empresários” das drogas. O custo social e financeiro do tratamento dos viciados, somado ao das operações policiais, desvia recursos que poderiam ser aplicados na melhoria da qualidade de vida das comunidades tomadas.

Arisco reunir no mesmo texto dois assuntos aparentemente sem nenhuma relação. Afirmo e com risco novamente que essa é uma questão ideológica, serve de apoio a discussões de atitudes divergentes no enfrentamento.

Não pretendo produzir mais um texto engajado, prefiro seguir o conselho do poeta. Há uma tendência nociva de se opinar sobre assuntos que não conhecemos com a profundidade necessária. E com isso o engajamento é uma saída, sempre se poderá usar a desculpa da “licença poética”. Por isso acabam se escrevendo sobre assuntos ocorridos a quilômetros de distancia, mas que podem gerar “likes” e comentários favoráveis.

Acaba-se por não enxergar o próprio quintal e seguem as ruas imundas, as praias, mangues invadidos por lixo. E antes que o texto fique muito “engajado” prefiro terminá-lo.  Em respeito ao aniversariante de hoje e que escreveu com muita propriedade sobre essa questão, mas antes concluo que as opiniões e poemas engajados estão terrivelmente contaminados por questões ideológicas nas quais os autores inocentemente (ou não) acreditam.