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O criador de títulos

Colaborador de Navegos evoca a estadia de grande escritor francês pelo Brasil e ressalta o seu incrível talento para a criação de títulos de livros.

*Marcelo Alves Dias de Souza

Georges Bernanos (1888-1848), francês de Paris, foi mais um escritor genial que viveu no Brasil. Mas antes de se haver por aqui, Bernanos perambulou pela “província” e pela capital do seu país. Lutou e foi ferido na 1ª Guerra mundial. Fez logo muito sucesso com “Sob o sol de Satã”, de 1926, e com “Diário de um Pároco de Aldeia”, de 1936. Foi lutar na Guerra Civil Espanhola, que lhe dá a obra-prima “Os grandes cemitérios sob a Lua”. A sua história conosco, com o Brasil, tem lugar em 1938, com o prenúncio da 2ª Guerra mundial. A vergonha europeia estava estampada e os horrores já se avizinhavam. À moda de um Otto Maria Carpeaux (1900-1978), de um Stefan Zweig (1881-1942), ele veio bater no Brasil exilado daquela Guerra. Viveu entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Resistente, engajou-se na França Livre de Charles de Gaulle (1980-1970). Foi o homem do General na América do Sul. Escreveu bastante daqui. Retornou à França, depois da guerra, amando o Brasil. Faleceu em glória.

Se é possível categorizar um grande escritor (tenho que os grandes escritores estão categorizados em seus próprios gêneros e estilos), Georges Bernanos foi um dos grandes ficcionistas e pensadores católicos. Autor de romances psicológicos católicos, de parecença com aqueles de François Mauriac (1885-1970). E de ensaios, aqui já mais à moda de Jacques Maritain (1882-1973) e Jacques Rivière (1886-1923).

Como define Marcel Girard, no meu já velhinho “Guide illustré de la literature française moderne” (a edição que possuo é de 1949, da maison/éditeur Peirre Seghers), Georges Bernanos foi “veemente, frenético, visionário, às vezes pomposo, violento sempre, mas frequentemente genial. Sous le Soleil de Satan (1926) apresenta a luta de um padre com o diabo. Un crime (1935) é uma espécie de romance policial psicológico absolutamente obsessivo. Le Journal d’un curé de campagne (1936), mais moderado, é também mais suave psicologicamente. Devemos ler novamente o excelente Nouvelle Histoire de Mouchette (1937). Monsieur Ouine (1946), seu último romance, parece conduzir Bernanos a um impasse. Entretanto, Bernanos é algo mais que um romancista: ele é uma consciência; e nós veremos mais à frente seu papel na vida das ideias”.

E é aqui que está. Embora hoje esquecido – à semelhança do que se dá com o outrora mais que badalado Anatole France (1844-1924) –, Georges Bernanos teve uma influência particularmente importante tanto sobre sua geração como sobre a geração seguinte. Meu pai mesmo, quando disse a ele que estava escrevendo sobre Bernanos, comentou: “‘Sob o sol de Satã’ foi um dos primeiros romances que eu li”.

Socorro-me, uma vez mais, do meu surrado “Guide illustré de la literature française moderne”: “Durante quinze anos, Bernanos não cessa de proclamar freneticamente aquilo que ele acreditava ser a verdade. Em La Grande Peur des Bien-Pensants (1931), ele se bate contra o conformismo burguês de um ponto de vista católico e monarquista. Em 1938, a guerra da Espanha lhe inspirará sua obra-prima: Les Grands Cimetières sous la Lune, panfleto contra Franco. Munique lhe provoca cólera e vergonha (Scanlale de la Vérité, 1939). Enfim refugiado na América do sul, ele difundiu durante a guerra a voz da consciência francesa, com uma liberdade que desconcerta muita gente; sua sinceridade apaixonada finalmente lhe vale à sua morte (1948) a homenagem de todos os partidos: Réflexions sur le cas de conscience français (1945), La France contre les robots (1947), Le Chemin de la Croix-aux-Ames (1948) [formados por escritos produzidos na sua estada no Brasil] contêm seus panfletos contra Vichy. O prefácio dos Grands Cimetières…, admirável fragmento, dá a chave desse temperamento excepcional”.

Não sou da geração de Bernanos. Nem da seguinte. E não sou tão católico assim. Meus heróis foram ou são outros, é verdade. Mas há uma coisa que me chamou à atenção em Bernanos desde a primeira vez que “ouvi” falar bem dele (em “O século dos Intelectuais”, obra de Michael Winock, publicada entre nós pela Bertrand Brasil, em 2000): os títulos de suas obras. Quer coisa mais bela do que “Sob o sol de Satã” ou “Os grandes cemitérios sob a Lua”? E esses títulos, benditos sejam eles, foram o mote para eu titular e encerrar esta crônica