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Nossa Senhora do Rosário, a capela sentimental

Dando continuidade à publicação de crônicas cascdianas inspiradas na paisagem humana, geográfica, histórica e sentimental de Natal, como fruto de parceria com o Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, por gentileza de sua presidente Daliana Cascudo Roberti Leite, desvelamos a história da mais bela construção arquitetônica religiosa da cidade. Foto de arquivo especialmente cedida por Edoardo Alexandre Garcia, aios quais Navegos agradece.

*Luís da Câmara Cascudo

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No rebordo do chão elevado e firme, onde se fundou a cidade do Natal, está Capela de Nossa Senhora do Rosário, clara, linda, acolhedora, a mais simples, a mais pobre, a mais legítima na sua arquitetura sedutora da primeira metade do século 18.

Em 1714 estava construída. Era a terceira da cidade e a única a conservar a feição da época. Houve irmandade já existente em 1713. Irmandade de gente humilde, de pretos, analfabetos, mas cheios de piedade e de santo orgulho pela sua Padroeir, cujo vulto pequenino e nobre enchia de graça a nave iluminada de fé.

Depois, no correr dos tempos, a irmandade teve homens abastados mas sempre ficou sendo tocada pelos dons da humanidade cristã. Viveu até 1918.Quando as demais igrejas recebem reconstruções, mudaram a fisionomia, ascendem ao predicamento de Freguesias, a Capela de Nossa Senhora do Rosário segue como no século 18, doce e natural, na modéstia, no recato, na precariedade das pompas e esplendores litúrgicos. É sempre uma capela…

Quando a Capela se ergueu, olhando a paisagem miraculosa do Potengi, quadro inesquecível de suavidade, sugestão e beleza, possuía a torre e nesta um sino. Era o menor. Em 1904 compraram o outro, maior, no Recife, por 900$000.

Na cimalha do frontão, o nicho mostrava Nossa Senhora da Guia, que desapareceu.

A imagem de Nossa Senhora do Rosário, a primitiva, que estava no altar, passou a ser exposta no nicho.

É a mais antiga imagem de todo Rio Grande do Norte.

Em 1918 houve remodelação na capela que não lhe alterou a fisionomia singela e romântica. de capela onde os escravos rezavam e onde o corpo dos supliciados pela justiça repousava na perpetuidade do descanso.

É de 1919 o novo vulto de Nossa Senhora do Rosário do Rosário e quando a primeira imagem foi posta no nicho, nas alturas da porta principal. E lá ficou, sem merecer olhar descendentes daquelas que a veneraram de joelhos, contritos e fiéis.

Teve patrimônio e não despiciendo. Vinha desde o barranco que se encontrava com a Rua Gonçalves Dias (Norte), parte tinha mesma rua ao Leste, tinha a rua Ulisses Caldas no Sul e o leito da estrada de ferro Great Western, ao poente.

Todos esse patrimônio foi vendido à Intendência Municipal do Natal a 26 de Maio de 1908, pelo Bispo Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques. Nada reverteu em benefício da capela, que assim foi despojada das ofertas espontâneas através dos tempos.

Capela dos Escravos, continuou mendigando, não a fidelidade devocional, mas os elementos materiais de sua conservação.

De 1937 a 1947, residindo na Rua da Conceição, frequentei a Capela de Nossa Senhora do Rosário nas missas dominicais. Era como se voltasse a um país ideal e saudoso de reminiscências, terra para onde se voa e que nunca se encontra. Uma imagem de André Dhotel, “Le Pays où L´On N´Arrive Jamais”.

É a capela sentimental, visitada pelos poetas que iam ver o entardecer melancólico de ouro e Cinza sobre a esmeralda do Rio lento. Ali se inspiraram Gotardo. Neto Ferreira Itajubá, Segundo Wanderley, Henrique Castriciano  e Ponciano Barbos.

Capela sentimental para aqueles que ainda guardam nas almas, como dizia Ramalho Ortigão, a flor da simpatia.

A República 4 de abril de 1959