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Meyerhold, ‘traidor’ e revolucionário

Inovador do teatro russo, perseguido e odiado por Stalin, o criador do Comnstrutivismo tornou-se um nome de referência em todo o mundo.

*Carlos Russo Jr

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Um teatro moderno, absolutamente inovador, onde nada é ilustrativo. Antes, um jogo vivo e único! Esta concepção modernista custou-lhe a vida. A sua e de sua companheira, Zinaída Raikh!

Vsevolod Meyerhold era dez anos mais velho que Vladimir Maiakovski. Enquanto este escrevia seus primeiros versos, Meyerhold já era um grande ator a caminho de tornar-se um dos mais importantes diretores e teóricos cênicos do século XX!

Para o gênio teatral de Meyerhold, tanto o encenador quanto o ator não são meros executantes automáticos de uma obra dramática. Antes, serão criadores e organizadores do espetáculo, em toda sua multiplicidade. Em seu teatro, o público será sempre cúmplice e partícipe do fenômeno teatral, pois Meyerhold prioriza a relação do intérprete com o público através de

Os jogos que possam revelar e intensificar os traços de ambos.

Revolucionaria mente, Meyerhold propôs também uma dialética de opostos: a farsa contra a tragédia, assim como a forma contra o conteúdo, de modo a forçar o espectador a encontrar uma visão mais apurada da realidade e vivenciar o teatro de forma renovada!

Realizou também diversas experimentações interpretativas, sendo o introdutor dos exercícios de Biomecânica, que influenciou os principais encenadores de todo o século XX. A Biomecânica, de um modo geral, transforma o corpo do ator em uma ferramenta a serviço da mente. As atuações cênicas, então, passaram a possuir movimentos amplos, exagerados e tensos. O corpo do ator, entendido como mais um objeto de cena, um importante papel como elemento de comunicação visual.

Ao lado de seu gênio sempre inovador, desde 1906, o jovem Meyerhold tornara-se um ativista político de esquerda. Ingressa no Partido Comunista junto com o amigo Maiakovski, após a Revolução de Fevereiro.

Em 1920, foi nomeado Diretor para assuntos teatrais junto ao Comissariado para Educação e Cultura.

Fundador do Construtivismo na Arte, ao lado de Maiakovski, no princípio de 1922, Meyerhold encena várias produções modernas incluindo “O Cornudo Magnífico”, de Crommelynk e “A Morte de Tarelkin” de Sukhovo-Kobylin.

Em 1923, passa a ter sua própria trupe teatral. Encenou produções inovadoras de clássicos como “Almas Mortas” de Gogol (1926).

Com a montagem de “O Inspetor Geral”, baseado também em Gogol, Meyerhold irá atingir o seu auge, assim como o prenuncio do fim de sua brilhante carreira.

Meyerhold, após a morte de Lênin, em 1924, começou a divergir do percurso tomado pelo Partido Comunista Soviético nas artes, que exigia que o teatro desempenhasse uma proposta ideológica na construção do socialismo, com obras que refletissem o cotidiano, conceito básico do assim chamado “realismo socialista”. Por esbarrar na ortodoxia reinante, é imediatamente destituído do cargo de Diretor para assuntos teatrais junto ao Comissariado para Educação e Cultura.

Logo a seguir, em parceira com Maiakovski, prepara a encenação das primeiras obras teatrais realmente críticas do momento histórico, como “O Percevejo” e “O Beijo”, de Maiakovski (1928-9).

A ortodoxia stalinista não suporta a representação teatral de ambas as peças. Meyerhold não ouvira o aviso dado por Mandelstam: “Este é o único país em que se mata por um verso.”

Meyerhold é, então, preso e torturado pela NKVD, e apenas após sua “confissão de traição à Pátria” em julgamento público em fins de 1929, lhe foi concedida liberdade e permitido que retornasse ao teatro.

Sem criticar mais o regime, seguiu, entretanto, com sua arte sem os padrões impostos pelo “realismo socialista”.

Seu amigo, parceiro de ideias e atividades, Maiakovski, suicida-se quatro meses após sua “libertação”, quando então, oportunisticamente, Stalin o transforma em “o poeta do socialismo”.

O teatro soviético no pós-revolução vivenciava uma crise de identidade. Muito próximo aos Simbolistas estava Meyerhold, o Construtivista, absolutamente preocupado com a Teatralidade. Por outro lado, os naturalistas e o realismo psicológico, cujo maior expoente era Stanislavski, também um antigo parceiro de Meyerhold,

O fato é que os dois ícones do teatro pós-revolução se admiravam e respeitavam mutuamente. Meyerhold além de crítico, foi um admirador persistente do “Teatro de Arte” de Stanislavski e declarou certa vez: “Serei sempre um aluno de Stanislavski.” De fato, os dois viviam uma relação de respeito e admiração profunda.

E, na década de 1930, Stanislavsky encarnaria o teatro formal do “realismo socialista”, ao qual se opunha Meyerhold. Pese isto, Stanislavsky declarou corajosamente: “O único encenador que conheço é Meyerhold”!

Isto não impediu que Meyerhold fosse perseguido pela crítica oficial, assim como pela maioria da classe teatral cooptada pela burocracia estatal. Isolado e solitário, passou a fazer frente ao período mais sombrio do stalinismo. Sua reputação, no entanto, ainda não está de todo abalada.

Mas carreira de Meyerhold é, pela segunda vez interrompida quando, em 1938, seu teatro é fechado por decreto, com a justificativa de que ali havia “difamações hostis contra o estilo de vida soviético”.

Neste momento, Stanislavski irá surpreender a todos, convidando Meyerhold a trabalhar com ele no novo “Teatro Ópera Stanislavski”. Era uma decisão mais do que valente oferecer proteção a alguém que caíra em desgraça diante do sistema. Mas Stanislavski sabia o que estava fazendo e, aceitando as responsabilidades de sua decisão, alegou: “Precisamos de

Meyerhold no teatro. Ele é meu único herdeiro”!

Dois anos após a morte natural de seu amigo e protetor, Stanislavski, Meyerhold foi assassinado em fevereiro de 1940, aos 66 anos. O fuzilamento foi pessoalmente autorizado por Stalin, e ocorreu na própria prisão onde ele fora recolhido.

Fora encarcerado meses antes, após o Congresso Geral dos Diretores Teatrais, por ter se negado à manifestação pública de submissão e retratação artística. A acusação foi: “trotskismo e formalismo artístico”. Por isto foi condenado!

Zinaída Raikh, sua mulher e também a primeira atriz de sua companhia, foi encontrada morta, assassinada, em seu apartamento, pouco tempo depois da prisão do marido.

Antes da execução, Meyerhold escreveu uma carta ao Procurador de Estado, o antigo menchevique Vaksberg e ao poderoso Comissário Molotov, reportando as terríveis sevícias sofridas em mãos da polícia do Estado.

Estas cartas somente vieram a público em 1989, junto com fotos onde são evidentes as marcas de deformações faciais provocadas por sessões de tortura.

Seus trabalhos artísticos e escritos estiveram banidos até 1955, quando foi reabilitado pela Corte Suprema da antiga U.R.S.S. e inocentado do crime de traição “cultural” à Pátria!

Obs.: Sergei Eisenstein, ex-aluno e também amigo de Meyerhold, utilizou a técnica deste em seus filmes. Na superprodução de “Ivan, o Terrível”, tanto em sua primeira parte, sob o patrocínio de Stalin, quando o Czar foi apresentado como um unificador nacional, contrário aos privilégios do clero e da nobreza, no qual o próprio Stalin esperava se espelhar, quanto na segunda parte do filme, em que Eisenstein apresenta o tirano Ivan como um marco trágico do poder absolutista.

Claro que a segunda parte foi proibida em 1946 e liberada apenas em 1958.

 

 

 

 

 

Em destaque, produção inspirada no método Construtivista;acima, Meyehrold, inovador do teatro russo e vítima do stalinismo.