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Lembrando Berilo Wanderley

Fundador de Navegos evoca um dos grandes cronistas do jornalismo potiguar, titular da crônica diária Revista da Cidade, por vários anos, até sua morte, publicada em Tribuna do Norte, de quem foi colega de redação e editor. sua memória foi recentemente lembrada por José de Castro, como palestrante do IX Encontro Potiguar de Escritores que se encerra na próxima quarta-feira.

Franklin Jorge

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Berilo não costumava frequentar a redação. Uma vez ou outra, sem aviso prévio, entrava e saía rapidamente, como se fugisse à natureza inóspita duma redação onde geralmente estamos sempre atrasados em relação ao deadline, aos prazos sempre cobrados por editores, por sua vez cobrados pelo pessoal da composição que fica sem ter o que fazer se p[or algum motivo falhamos em nossa obrigatória presteza.

Titular de uma das crônicas mais lidas da cidade, senão a mais lida desse período que marca meus começos no Jornalismo, naqueles já remotos anos de 1970, quando intentei introduzir, nas matérias que produzia e editava, o conceito de Jornalismo Cultural ou New Journalism, que herdamos da Imprensa norte-americana, atenta à qualidade e ao talento de indivíduos que não eram, profissionalmente jornalistas, mas escritores de talento escrevendo para jornais – uma plêiade que deu novo direcionamento à produção de textos em busca de um conhecimento mais profundo. Era uma novidade, aqui, onde pontificávamos mamutes de uma pratica que deu folego ao que o grande Nelson Rodrigues chamava de idiotas da objetividade.

Dava-me Berilo sempre a impressão de estar em trânsito. De estar ali de passagem ou de ter entrado na redação por engano ou porque se achava próximo e não lhe restava alternativa senão entrar naquela casa, as vezes trazendo em mãos sua coluna que escrevia no conforto de sua biblioteca.

Lembro-me que certa vez ele me perguntou se eu gostaria de receber de presente sua biblioteca. Pelo menos, se fosse do meu agrado, os livros que recebia em grande número das editoras e dos autores ávidos de notoriedade. Não aceitei sua oferta, pois também enfrentava em minha casa com o acumulo de livros, al[em dos que eu comprava, as vezes um ao dia, quando ia almoçar na Cidade Alta e me demorava um pouco na Livraria Universitária, que exibia à entrada uma frase de Dante, escolhida pelo estilista Edgar Barbosa – Quando te apresentareis diante de Deus tereis um livro nas mãos, que cito de memória, aliás cada vez mais fraca e fugidia

Numa ocasião ameaçou deixar de publicar sua crônica diária, cuja entrega em certo período tornou-se problemática por causa dos atrasos, prejudicando o deadline que em todo jornal é muito regido e só muda excepcionalmente quando acontece alguma coisa fora do comum. Como seu editor que era, o puni, deixando -a de publicar naquele dia que foi para mim a gota d’água. Berilo ficou muito aborrecido e suspendeu por dois ou três dias a publicação de seu texto sempre encantador e fluente. Depois voltou atrás e, nunca mais, atrasou a entrega. Suas crônicas eram queridas dos leitores em uma terra em que esse gênero teve grandes cultores. Ele se destacava por sua verve e irreverencia.

Minha última lembrança foi no necrotério do Walfredo Gurgel. Fui encarregado pela direção da Tribuna do Norte, quero dizer, por José Gobat, seu diretor, a providenciar a retirada do corpo e providenciar seus funerais. Ele estava.nu dentro de uma gaveta de aço. O corpo muito branco com veios violáceos. Foi a última visão que tive dele, o grande cronista da alma da cidade.
Anos depois José Cláudio.Emerenciano então presidente da FJA homenageou sua.memória, publicando-lhe as crônicas que eu selecionei e. que ele, sem nenhum respeito por meu trabalho, acrescentou à publicação outros nomes que nada fizeram, como se a seleção de suas crônicas tivesse resultado de um trabalho de equipe. Isto me emputeceu, pois não me pareceu nada sério. Bem Natal, onde o trabalho intelectual continua a não ser respeitado. Creio que o próprio Berilo não teria aprovado esse expediente. Embora muito querido dos seus amigos, não gostava de.oba-oba nem de bajulação.