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Geometria e metalinguagem em Marieta Lima

Colaborador de Navegos apresenta aos nossos leitores o talento de artista e professora que teve influência marcante sobre gerações de mossoroenses.

*Márcio de Lima Dantas

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A pintora Marieta Lima estudou geometria e desenho acadêmico com irmã Inês, no antigo Colégio das Freiras. Tendo, posteriormente, sido professora de desenho. Ademais tinha discípulos com Boulier, Varela e Vicente Vitoriano, frequentadores de sua casa. Esse fato da sua história de artista plástica impregnou de maneira indelével toda a sua obra. Em dois aspectos: primeiro, no exato senso da composição. É inegável que tinha com precisão o tino do manuseio das massas cromáticas, tanto no que diz respeito ao volume e proporção, bem como na harmonia das cores, logrando êxito por meio de contrastes. Tal fenômeno está presente sobretudo nas suas naturezas-mortas, via de regra vasos com exuberantes arranjos florais, sem que atinja exageros. Permanece numa simplicidade que cativa o expectador ao contemplar formas e cores.

Em segundo lugar, dominava a perspectiva, sabendo com exatitude como apor planos e linhas, para conseguir o efeito de realidade que uma paisagem deve ter, por exemplo.

Percebe-se nas suas telas cuja temática são flores, algo puramente imaginativo. Visto ser difícil identificar que flores são aquelas retratadas, ou seja, é como se não pertencessem à flora dos nossos jardins.

Ora, isso vem ao encontro de referendar que uma tela não é um retrato da realidade, mas uma obra de arte. E por assim dizer, plena de liberdade imaginativa, no qual o artista se permite criar um outro mundo com objetos inexistes no real empírico. O que importa é o que nos faz interagir com o objeto de arte, o que nos eleva para outra dimensão, o que nos redime de uma realidade que nem sempre aceitamos.

Sendo assim, podemos afirmar o caráter metalinguístico da obra de Marieta Lima: a arte discorre acerca da arte, a invenção de um universo paralelo com sua franca liberdade de engendrar outros objetos que nos permitem negar o cotidiano que nos cerca com seus trabalhos, enfermidades, conflitos, ou seja, tudo o que nos faz sencientes, obrigando-nos a sermos fortes perante as vicissitudes que quase nunca temos culpa de termos escolhido: emanam de um substrato existencial, restando-nos dar uma solução. Também dito condição humana.

Até parece que Marieta Lima não estava muito interessada nas espécies de flores cultivadas em nossa região, o que queria saber era se a tela viria a deter uma harmonia de formas e cores, uma leve exuberância de contrastes quedados face àquele que visse fruir. Talvez por isso haja uma espécie de desprendimento e simplicidade, mesmo em se tratando de arranjos florais multifacetados. Quem conheceu a pessoa Marieta Lima sabe o quanto era fina no trato e educada no respeito ao outro. Os amigos sabem disso. Parece que passou para o seu trabalho: a ausência de vaidade.

Enfim, muito do que Marieta Lima retratou em suas belas telas emanou puramente de um espírito que parecia não estar muito impregnado da realidade que nos cerca, embora em sua casa houvesse a presença de alguém que andando, falava muito num ritmo suave, adentrando para uma ampla cozinha, com pequeno jardim, onde colecionava cactus, fazendo questão de receber quem também gostasse, para fazer trocas de mudas. Havia em sua aura uma espécie de mulher que estava ancha no seu corpo esguio, nem alegre, nem triste. Era um ser que tinha vindo ao mundo não como missão ou qualquer coisa que o valha. Viera para se cumprir. Por acaso, foi a nossa principal referência na arte de pintar.