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Desconstruindo ideias feitas

Famosa entrevistadora e crítica mordaz, autora de O jornalista e o assassino, Janet Malcolm [1934-2021] escreve sob o espectro da transgressão.

*Franklin Jorge

Descrita por Ian Frazier como uma “escritora feroz”, Janet Malcolm surpreende e constrange o leitor conformista com a sua verve corrosiva que nos remete à essência mesma do próprio ato de escrever, oficio que não prescinde do exercício analítico, composto em partes iguais de criação e destruição. Afinal, em sua expressão máxima, escrever em plena consciência e sem auto-indulgência é dissecar e julgar. Algo que Janet Malcolm faz com mestria.

Autora de perfis opinativos de artistas e escritores, paira sobre o que escreve – sob o influxo do “espectro da transgressão”, como se auto definiu em algum momento – suas eloquentes omissões, segundo um de seus críticos mais argutos.  Forjou um estilo frio, escrupulosamente controlado e transparente, nas palavras do talentoso jornalista australiano Bem Naparestek. Algo que se presta maravilhosamente à observação e à análise de seus entrevistados, outros diriam vitimas, que se deixam levar alegre ou incautamente ao abatedouro de uma escritura que reduz à expressão da nudez. Criou para si um perfil de contestadora capaz de desconcertar seus habituais leitores.  Seus escritos constituem lições irretocáveis de Jornalismo Cultural, às vezes um tanto enfadonhas embora intelectualmente brilhantes.

Observadora sagaz, ela costuma pôr em dúvida a eficácia dessa espécie de jornalismo especializado na cobertura do universo cultural, diagnosticado por ela como pouco exigente e concessivo em relação ás reservas de grosseria de que é feita a arte, um tema já argutamente abordado no Século 19 por Charles Baudelaire, ao advertir-nos sobre os bastidores da criação, uma área movediça e sombria, sempre apta a expor a essência destrutiva do ato criador.

Rechaçando em seus escritos a “aura irritante do sucesso” que se projeta sobre alguns artistas, encanta-a a modéstia despretensiosa de alguns criadores colocados sob o seu crivo espirituoso que não contempla a inveja nem a vingança em seu trato com o talento alheio, características de mentes mesquinhas e restritivas tão frequentemente encontráveis entre os editores e repórteres lotados nos cadernos de Cultura.

Sempre citada por sua contundente obra, dentre a qual se destaca O Jornalista e o Assassino, de 1990, Janet Malcolm tornou-se uma referência imprescindível para todos os que escrevem ou pretendem escrever sobre esse gênero jornalístico que se limita com a polêmica e a ingratidão. Ouvinte contumaz, seu conselho àqueles que desejam se tornar entrevistadores implacáveis é sucinto e inusitado: mantenham a boca fechada.

Modelo de entrevistadora, faz o entrevistado cantar como passarinho.