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Conversando com Jamal Singh

Apesar do nome, o roteirista de Quadrinhos Jamal Singh é um autêntico potiguar, formado em História pela UFRN. . Lançou sua primeira HQ em 2011, a história curta Lembranças Amargas na PRISMARTE Nº 55, trabalhando desde então com Wendell Cavalcanti, seu colaborador habitual e sócio dele no Estúdio Tôt. Em 2012 escreveu um quadrinho institucional para o GACC (Grupo de Apoio a Criança com Câncer). Em 2013 escreveu a história curta Kaur, uma aventura sobre uma guerreira Sikh que combate a tirania dos Mogols na Índia do século XVIII, publicada na coletânea internacional MAQUINA ZERO VOLUME UM, e Cajun – O Bom Franjou, primeira parte de uma minissérie com seu personagem de estreia.

* Marcos Garcia

Primeiro obrigado por falar conosco e não podemos fugir do básico, como foi que começou a se interessar por quadrinhos?

Me alfabetizei lendo quadrinhos, e era daquelas crianças que pegava os jornais para ler as tiras, além de comprar quadrinhos que hoje não existem mais como A turma do Gordo, Bolinha e Luluzinha, A turma do Arrepio, Agente Cãofidencial e os trapalhões da Abril. Na adolescência era um fanático colecionador, sempre vasculhando bancas e sebos atrás de revistas de super-heróis, horror, faroestes e quadrinhos independentes nacionais, mas hoje abandonei quase todas as séries, me interessando mais por histórias fechadas, como Graphic Novels ou minisséries.

Como surgiu o desejo de escrever e criar HQs? Conta um pouco da sua carreira.

Além das HQ’s, eu cresci apaixonado pelas artes narrativas (como eu costumo chamar os Quadrinhos, Cinema, Teatro e Literatura) e desde menino sempre tive prazer em contar histórias, escrevendo continuações dos desenhos e filmes que assistia, ou até mesmo histórias inéditas, nas aulas de Redação. No inicio da minha adolescência eu descobri o jogos de interpretação de papeis (ou como são conhecidos em inglês, RPG) que por muito tempo satisfizeram essa minha vontade de contar histórias. No final da minha adolescência eu entrei em contato contato com fãs de quadrinhos que acabaram se tornando meus amigos e profissionais do ramo, como o Miguel Rude, a Milena Azevedo e o Wendell Cavalcanti.

Ao longo da juventude eu acabei projetando dois sistemas de RPG caseiros que foram testados com alguns amigos, e foi quando o RPG deixou de ser o suficiente. Eu já havia rascunhado diversos argumentos de quadrinhos (e alguns de cinema) e roteiros que não foram para a frente, e muitos deles, ainda bem que não o foram. Muitos desses argumentos foram esboçados no inicio pelo Miguel e depois pelo Wendell. Como eu disse, Wendell e Miguel já trabalhavam no ramo, enquanto eu era conhecido como o cara que sempre diziam que tinha boas ideias, mas elas nunca saiam do papel.

Qual foi seu primeiro trabalho publicado?

Eu e o Wendell, fãs de Tarzan e Fantasma, estávamos a tempos pensando em escrever uma tira de aventuras, tendo em 2005 esboçado “um homem das selvas” chamado Ajaká, que quando criança numa exploração das cavernas se perdeu de seus pais e acabou chegando numa “terra Oca” no centro da terra povoada por dinossauros e outras criaturas fantásticas, sendo adotado por um xamã renegado de uma tribo de Neandertais. Foi um dos meus muitos projetos que não foram para frente.

Em 2010 nos pensamos em novamente tentar uma tira de aventuras para ser publicada, e isso foi a semente de Cajun, que seria um faroeste diferente, com uma pegada sobrenatural e estética influenciada pelos faroestes italianos, principalmente “O vingador silencioso”, do Sergio Corbucci. Como nós descobrimos que o jornal local havia desistido das tiras, e nós teríamos que praticamente pagar para publicar nele, desistimos da tira de Cajun, mas logo depois Wendell foi convidado para fazer a capa da revista PRISMARTE, que toda edição trabalha com um tema, e por acaso o tema dessa edição seria Faroeste, então surgiu a possibilidade de termos uma história nossa lá.

Acabamos adaptando Cajun para uma história curta, Lembranças Amargas, que foi a história mais diferente da revista: se passava nos pântanos da Flórida, envolvia Vodu, não havia cavalos e nem armas de fogo, mas sim duelos de facas! Devido a essa história eu fui indicado em Pernambuco ao Prêmio P.A.D.A. na categoria de melhor roteirista, Wendell a melhor desenhista e a história foi indicada a melhor história, que foi o prêmio que ganhamos. Isso acabou me motivando a continuar escrevendo.

Como é sua produção? Você é do tipo que escreve o tempo todo, mesmo que não tenha a produção em vista, ou só cria visando publicação?

Eu sempre escrevi desde a infância argumentos dos mais variados possíveis, e devido as novas tecnologias isso ficou mais fácil. As vezes fico na rua, ou no transporte coletivo utilizando o gravador de voz do celular para registras as ideias quando elas vão nascendo, e depois transcrevo no computador. Alguns desses argumentos vão se desenvolvendo para roteiros, geralmente quando, acompanhando o mercado de quadrinhos no momento, acho que aquela história teria chances de ser publicada por alguma editora. Mas alguns argumentos mais antigos, alguns com mais de uma década, eu transformei em roteiro para quando for a eventos de quadrinhos em grandes centros ter algo a mostrar a editoras.

Quais as diferenças criativas entre Boca do lixo e Cajun?

Ambas as histórias existem por minha paixão ao cinema, mas são bem diferentes. Cajun visualmente é inspirado no faroeste italiano e trata de minorias étnicas que sou apaixonado pelas culturas (os Acadianos e os Creoles) e que foram vistas em outras histórias apenas como coadjuvantes. Boca do Lixo originalmente seria uma história contemporânea chamada A mácula do canalha, baseada na minha juventude e na do Wendell, e por problemas pessoais foi deixada de lado até que decidi refazer essa história como ficção. Então Boca do Lixo é uma história de ficção, mas seu trio de personagens principais refletem escolhas, erros, desejos e sonhos que tive ao longo da vida.

Ambas as histórias, porém, são do começo ao fim criações minhas e do Wendell. Ele não é só criador gráfico, mas sim coautor dos nossos trabalhos. Das artes narrativas que são criadas em colaboração, o quadrinho é para mim a mais intima (mais que cinema ou teatro por exemplo), e só funciona para mim assim, o que acabou talvez me afastando de trabalhar com outros colaboradores.

O que falta para o mercado independente de quadrinhos atingir mais leitores?

As maiores dificuldades dos quadrinistas independentes são a distribuição a nível nacional e a falta de apoio governamental. A distribuição sempre foi nosso calcanhar de Aquiles principalmente para quadrinistas fora dos grandes centros poderem vender seus trabalhos. O apoio governamental é muito importante, variando muito de estado para estado, as vezes cidade. Há locais com fantásticos eventos de quadrinhos, editais de incentivo a cultura e outras coisas impossíveis de serem feitas só pela iniciativa privada. Mas já vi e participei de eventos de quadrinhos bancados por algumas prefeituras em que os artistas eram bastante mal tratados, as vezes os artistas locais sendo preteridos em nome de convidados nacionais.

Cite 5 quadrinhos nacionais que têm o roteiro impecável?

Daytripper, do Fabio Moon e Gabriel Bá;  Sant’Anna da Feira, Terra de Lucas de Marcos Franco; Solar, do Wellington Srbek; Sottovoce, originalmente publicado em tiras de jornais (e depois lançado como livro de bolso) do Edgar Vasquez e Tempos de Guerra, de Luís de Abreu e José Duval.

Se tivesse um convite pra escrever qualquer HQ, qual seria?

Eu escreveria uma HQ sobre História das Religiões em quadrinhos, que é um projeto que eu já acalento há alguns anos (tenho inclusive o roteiro do primeiro volume, sobre o Hinduísmo, quase completo), unindo assim minha paixão pelos quadrinhos com meu oficio de historiador aprendido na Universidade.

Quais HQs você costuma ler atualmente?

Como disse, hoje prefiro historias fechadas, independente de ser material  brasileiro, americano, europeu ou asiático, então acabo mais seguindo o trabalho de autores específicos do que personagens. Mas ainda hoje eu leio TEX e ZAGOR, e acompanho com interesse outros fumetti lançados aqui no Brasil.

Pode nos adiantar alguma coisa sobre seu próximo projeto?

O roteiro da segunda parte de Cajun, que deixamos de lado por um longo período já foi escrito e revisado. Nesse momento está sendo editado e em breve Wendell irá desenhá-lo e iremos publicá-lo em 2021, dez anos depois da primeira aparição do personagem e minha estreia dos quadrinhos. Também devido a 2021 marcar dez anos da minha estreia nos quadrinhos, estou tendo viabilizar um álbum de comemoração com artistas potiguares que admiro e nunca trabalhei antes.

Mais para longo prazo, estou transformando o argumento de Boca do Lixo – Pornô! em roteiro, enquanto Wendell dá o tratamento em algumas páginas no tempo que ele tem livre entre seus trabalhos internacionais. Também venho trabalhando num romance gráfico que é bem diferente de tudo que já escrevi até agora, uma história sobre fim de relacionamentos, imaturidade e as frustrações da vida adulta.

https://www.facebook.com/EstudioTot/