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Confissões de um artista quando velho

Fundador de Navegos retroage no tempo e resgata pela memória o prazer das primeiras leituras prodigadas por sua avó materna.

*Franklin Jorge

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Frequentemente indagam-me sobre minha formação intelectual e processos de criação literária. Recentemente, na blogosfera, uma internauta que pareceu-me equipada de cultura e discernimento, instava-me a compartilhar com novatos e mesmo com autores tarimbados a minha própria experiência.

Esse assunto, a meu ver, é demasiadamente questionável, porque tudo depende afinal das circunstâncias e da natureza da educação doméstica que recebemos. É o que penso e creio que tenho alguma razão de pensar assim.

Cresci lendo. Mesmo antes de desenhar um “O” com um a quenga, já ouvia de minha avó histórias urdidas por Daudet e Oscar Wilde, entre outros, nos quais incluiria o autor  de A revolução dos bichos, obra que me teria incutido um certo espírito inconformista e rebelde, segundo o observação do jornalista Henrique Miranda Sá, meu colega de redação anos depois, no jornal Tribuna do Norte onde aprendi a disciplina e o ensejo de levar adiante quaisquer tarefas, por mais tediosa ou improdutiva.

De fato, essa fábula moderna abriu-me os olhos para a exploração e a tirania daqueles que tiram proveito da força de trabalho de miseráveis que vivem pelo pão de cada dia, como os animais dessa fazenda-gulag, localizada em algum lugar da Inglaterra, que se unem em busca da liberdade que não é e nunca foi uma tarefa de fácil consecução, pois em todo grupo sempre há os conformados e os alienados que preferem os grilhões à imensidão do horizonte que se perde de vista e que às vezes se torna até amedrontador por não nos impor limites. Sem dúvida, essa fábula lida pela voz de contralto de minha avó, despertou-me para novas e desconhecidas perspectivas que a Literatura proporciona.

Parece-me que mais importante que a leitura em si seria a qualidade do que se lê de maneira não pre-concebida, por prazer e sem compromisso. Embora possamos extrair dela alguma lição, será a qualidade da leitura o que importa; a qualidade que foge ao estabelecido e ao ramerrão, ou seja, à resignação do gosto burguês amestrado pelo hábito e parâmetros redutores.

Tive, pois, a sorte de ter uma avó que viu para além do gosto estabelecido e descortinou-me uma ilimitada perspectiva que incluía o contraditório e a diversidade, a liberdade e o gosto da novidade que engrandecem e ampliam o intelecto.

Desde então, não desejo outra coisa.