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A missa operística dos wagnerianos

Colaborador de Navegos amplia sua viagem musical pela obra do autor de Parsifal, obra ‘de arte total’ cujo herói que dá titulo à ópera, considerado um ‘tolo puro’ seria um dos Cavaleiros da Távola Redonda.

*Francisco Alexsandro Soares Alves

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A última grande obra de Wagner foi Parsifal, que estreou na Casa dos Festivais em 26 de agosto de 1882. Essa obra, denominada “Música de Dedicação”, por Wagner, é o ponto culminante de sua estética. Ele depositou toda a sua experiência nessa obra e esperava que ela permanecesse exclusiva da Casa dos Festivais. E assim, antes de sua morte em Veneza, em 13 de fevereiro de 1883, às 3:00 da tarde, deixa claro para todos que Parsifal não é uma obra para teatros profanos, mas unicamente para seu teatro. E dessa forma, uma guerra gigantesca, e novamente por motivos religiosos, é detonada.

A viúva do compositor, Cosima Wagner, nega-se a permitir a estreia em outros teatros e sendo assim, durante 30 anos, Parsifal só foi ouvida por pouquíssimas pessoas, aquelas que entravam nos recintos da Casa dos Festivais.

Porém, após trinta anos da morte do compositor, os direitos autorais terminaram e todos os outros teatros europeus programam, em 1913, produções da obra. Um ano antes, a viúva Wagner havia apelado judicialmente para que isso não ocorresse, “por motivos sagrados”. Isso não deu certo, mas por fim, e por medo das ameaças das associações amigos de Wagner europeias, os teatros europeus decidiram não encenar a obra. Muitos desses wagnerianos eram financiadores de produções operísticas nesses teatros, sobretudo dos dramas de Wagner.

No entanto, havia outras duas pedras no meio do caminho. Para desespero de Cosima e dos wagnerianos europeus, sobretudo os alemães, a Ópera de Nova Iorque e o Municipal do Rio de Janeiro agendam para aquele ano produções da Música de Dedicação. Os apelos de Cosima para esses teatros nunca foram respondidos. Intrigada, ela escreve em seu diário: “Os bárbaros dos EUA e do Brasil decidiram profanar Parsifal”.

E a profanação foi completa: ao final das produções, aplausos ensurdecedores de um público que esperou 30 anos para poder assistir a obra. Os aplausos chocaram extremamente os wagnerianos de Bayreuth e europeus em geral. Porque na Casa dos Festivais não se aplaudia, à época, Parsifal. Ao término dessa obra, o auditório saía do teatro de cabeça baixa e em silêncio, porque, de fato, o sentimento que permanece, além da profunda contemplação estética, é um sentimento religioso, a música não lembra ópera, mas uma missa. Apenas a partir de 1951 que aplausos começaram a serem ouvidos em Bayreuth. Mesmo hoje, aplaudir essa obra na Casa dos Festivais é ainda um tabu e muitos não aplaudem.

Com Parsifal, Wagner realiza, de forma exuberante e extraordinária, o ideal romântico de teatro sagrado, a “religião da arte”, como afirmava Victor Hugo. O teatro torna-se um templo, e o artista, um profeta. É essa sacralidade estética que encontramos em muitos poemas simbolistas, em Mallarmé ou em Baudelaire e em várias páginas de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Sem dúvida, se esse ideal de arte sagrada alcança em Wagner seu ponto culminante, é nos franceses que ele tem sua mais sublime herança.

As controvérsias em torno dessa obra alcançariam seu ponto mais dramático, e desta vez amargo, na Alemanha nazista: Adolf Hitler. Mas isso fica para um próximo artigo.