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A lei quer que eu morra

Jornalista, escritora, filósofa e pedagoga colaboradora de Navegos escreve sobre a decadência da Educação no Brasil e a hipocrisia que determina a ação dos governantes.

*Nadja Lira

Enquanto eu era aluna do Curso de Pedagogia ouvi, certa vez, uma professora fazer o seguinte comentário, o qual ficou marcado na minha memória: Ela disse que “o erro de um médico é enterrado. O erro de um advogado tem como ser consertado. O erro de um professor acompanha o indivíduo por toda a eternidade”. A afirmação da professora voltou à minha mente, quando neste momento catastrófico de Pandemia provocada pelo vírus chinês, vejo-me obrigada a aprovar alunos que não têm a menor condição de avançar para a série seguinte, a fim de que “eles não sejam penalizados”.

Com o intuito de não prejudicar as crianças, recebi a ordem expressa de meus superiores, para não reprovar ninguém, mesmo que durante este período de aulas remotas, tenha realizado apenas uma das inúmeras atividades que lhes foram
apresentadas. “Nenhum aluno poderá ser prejudicado em virtude da Pandemia”. Tal ordem me pegou de surpresa e eu, ainda sem acreditar no que ouvi, fico me perguntando: Qual será o prejuízo maior? Reter o aluno que não sabe patavina, ou mandá-lo prosseguir nos estudos se ele não tem a menor condição de acompanhar os conteúdos que lhe serão
propostos?

Confesso que dá uma enorme tristeza perceber que tudo o que diz respeito à Educação neste meu País lindo e trigueiro não passa de conversa fiada. Tudo é levado na brincadeira. Na base da hipocrisia. A grande verdade é que ninguém está preocupado em formar alunos capazes de ler, escrever e contar, conforme é o papel histórico da escola.

A escola, aliás, há muito tempo deixou de fazer o papel para o qual foi criada e se transformou numa instituição, onde realiza todas as atividades inerentes à assistência social. Professores que deveriam se preocupar com a aprendizagem das crianças, são transformados em assistentes sociais preocupados com a situação das famílias. Alunos das escolas públicas na atualidade, são vistos como coitadinhos que vivem e sobrevivem exclusivamente esperando os benefícios minguados que são oferecidos pelos governantes. O pior é que as famílias estão se acostumando com isto.

É uma vergonha ver que a instituição que deveria formar cidadãos capazes de pensar de forma crítica e autônoma está sendo transformada num lugar para distribuição de cestas básicas. Afinal, o grande medo dos políticos brasileiros é ver uma geração com capacidade de pensar de forma crítica e autônoma. Enquanto isto, os professores foram transformados em meros agentes comunitários que, ao invés de ensinar a ler, escrever e contar, apenas investigam as condições
sociais de cada aluno, para que estes possam receber o bolsa família, o tributo escolar e outras esmolas do gênero.

Pelo andar da carruagem, percebe-se que ainda vai demorar muito tempo para o Brasil sair da categoria de País de Terceiro Mundo, uma vez que não existe país de quarto ou quinto mundo. Logo, iremos continuar marcando o passo no que refere à Educação, assim como jamais alcançaremos o futuro almejado vendo o Brasil do qual nos falavam nos tempos de criança. A quem interessa formar uma geração de seres pensantes?

Penso que o futuro previsto para as próximas gerações deverá ser tenebroso e com pessoas cada vez mais pobres, especialmente pobres de espírito. Pessoas sem capacidade de sonhar e principalmente lutar por seus objetivos, já que estão se acostumando a receber tudo o que precisam dos governantes.

Lembro de que na minha época de criança, os estudantes iam para a escola andando a pé. Livros e fardas eram comprados pelos pais e a escola não dispunha de merenda. As crianças de hoje têm transporte para ir e voltar da escola, recebem livros, farda, merenda, são pagas para estudar e poucos são os que aproveitam a oportunidade, fazendo exatamente aquilo que os governantes querem, aumentando a fila dos que esperam as migalhas dos governantes.

Hipocrisia – é a palavra que melhor se adequa à forma como a Educação é tratada neste País das Maravilhas, onde tudo é levado na brincadeira e com o tradicional “jeitinho brasileiro”, na malandragem. As aulas remotas oferecidas neste período não passam de um engodo. Se já é difícil alfabetizar crianças em aulas presenciais, o que se pode dizer de alfabetização
realizada de forma remota? E isto sem contar que uma boa parte dos alunos não dispõem de computadores, telefones celulares ou tabletes, para o acompanhamento às aulas.

Sobrou para os professores arcarem com os custos inerentes à esta nova forma de trabalhar. Cada professor é obrigado a pagar por estes serviços, já que ele precisa disponibilizar seu telefone e computador pessoal para as atividades, assim como pagar pela energia e pela internet que utiliza para a realização do trabalho. Atirar com a pólvora alheia é uma beleza.

Na condição de professora e consciente da responsabilidade que me cabe na formação dos alunos, não posso compactuar com esta prática de aprovar aluno que não conhece uma letra do alfabeto. Concordo com a minha professora: “O erro de um professor acompanhará o sujeito por toda a eternidade”. Também existe outro velho ditado popular cuja afirmação diz que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, portanto, diante da situação posta, só me resta concluir e gritar: “A lei quer que eu morra!”